sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Ferreira Gullar - Verão

Homenagem ao final de fevereiro =D

Este fevereiro azul
como a chama da paixão
nascido com a morte certa
com prevista duração

deflagra suas manhãs
sobre as montanhas e o mar
com o desatino de tudo
que está para se acabar

A carne de fevereiro
tem o sabor suicida
de coisa que está vivendo
vivendo mas já perdida

Mas como tudo que vive
não desiste de viver,
fevereiro não desiste:
vai morrer, não quer morrer,

E a luta de resistência
se trava em todo lugar:
por cima dos edifícios
por sobre as águas do mar.

O vento que empurra a tarde
arrasta a fera ferida,
rasga-lhe o corpo de nuvens,
dessangra-a sobre a Avenida

Vieira Souto e o Arpoador
numa ampla hemorragia.
Suja de sangue as montanhas,
tinge as águas da baía.

E nesse esquartejamento
a que outros chamam verão,
fevereiro ainda agoniza
resiste mordendo o chão.

Sim, fevereiro resiste
como uma fera ferida.
É essa esperança doida
que é o próprio nome da vida.

Vai morrer, não quer morrer.
Se apega a tudo que existe:
na areia, no mar, na relva,
no meu coração - resiste.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Rebelion (Lies) - The Arcade Fire

.

Sleeping is giving in,
no matter what the time is.
Sleeping is giving in,
so lift those heavy eyelids.

People say that you’ll die
faster than without water.
But we know it’s just a lie,
scare your son, scare your daughter.

People say that your dreams
are the only things that save ya.
Come on baby in our dreams,
we can live our misbehavior.

Every time you close your eyes
Lies, Lies!

People try and hide the night
underneath the covers.
People try and hide the light
underneath the covers.

Come on hide your lovers
underneath the covers,
come on hide your lovers
underneath the covers.

Hidin’ from your brothers
underneath the covers,
come on hide your lovers
underneath the covers.

People say that you’ll die
faster than without water,
but we know it’s just a lie,
scare your son, scare your daughter.

Scare your son, scare your daughter.

Now here’s the sun, it’s alright! (Lies!)
Now here’s the moon, it’s alright! (Lies!)
Now here’s the sun, it’s alright! (Lies!)
Now here’s the moon it’s alright (Lies!)

But every time you close your eyes. (Lies!)

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Sessão auto-ajuda: Superação


A vida é cheia de desafios, isso é fato. E as pessoas se dividem basicamente entre aquelas que conseguem superar estes desafios e as que não conseguem. Dentre as que conseguem superar há aquelas que têm "sorte" e aquelas que se esforçam.

Dentre as que não conseguem, há aquelas que tentam e há aquelas que desistem. As que desistem se subdividem entre as que têm medo e as que têm preguiça.

As que têm medo podem tê-lo devido a experiências anteriores negativas ou podem tê-lo sem fundamento. Estas que têm medos sem fundamentos sofrem por algo que simplesmente nem sabem se existe. Com o medo não conseguem se esforçar para tentar superar desafios. E tendem a se tornarem pessoas apáticas.

A apatia é pior que a tristeza, porque uma pessoa apática sequer se entristece. Não se entristece, não se alegra. Não fala, não pensa direito. Não coloca planos em prática, aliás, muitas vezes nem faz planos.

A pessoa apática e com medos sem fundamentos precisa buscar dentro de si mesma forças para se levantar. Mas ninguém se torna uma pessoa apática por vontade, por isso, a vontade também não é tão eficiente no processo reverso. Ainda assim, muito se fala sobre a força de vontade, a força do pensamento, das palavras...

Os livros de auto-ajuda são vendidos aos milhões. No entanto, são detestados (ou pelo menos não são apreciados) por muita gente (eu me incluo nisso). Por quê? Acredito que seja porque eles dizem coisas óbvias e redundantes demais. Mas aí é que está: os livros de auto-ajuda vendem muito, isso é incontestável. Logo, isto se deve ao fato de que aquelas pessoas com medos infundados, as pessoas apáticas, não são capazes de enxergar coisas óbvias! Por isso várias destas pessoas recorrem à ajuda destes livros, para verem algo que não conseguem enxergar sozinhas.

Eu não sou psicóloga. Mas sou uma pessoa com medos infundados, por isso me propus escrever sobre isso. Felizmente acredito que ainda não tenha chegado ao extremo da apatia e pretendo não precisar recorrer aos tais livros (nem a psicólogos)... Tudo isso que escrevi não passa de pensamentos soltos de uma pessoa meio às voltas com a realidade que está vivendo, uma fase de mudanças e de grandes desafios.

Pretendo deixar de estar no grupo das pessoas que desistem por medo e passar para o grupo das que se esforçam. E pra isso vou procurar usar a auto-ajuda no sentido mais estrito da palavra: aquela ajuda que vem de dentro da gente mesmo, sem precisar recorrer a ajuda externa. É nessa força que eu acredito: a da superação.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

20 de fevereiro



Leve como leve pluma
Muito leve, leve pousa
Muito leve, leve pousa

Ah, simples e suave coisa
Suave coisa nenhuma
Suave coisa nenhuma

Sombra silêncio ou espuma
Nuvem azul
Que arrefece

Simples e suave coisa
Suave coisa nenhuma
Que em mim amadurece

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

pOVO - De Renata Martins

A gente se sente como uma pesca viva amassada dentro de uma condução, seja ela ônibus, metrô ou mesmo lotação.

Dizem que a gente se acostuma. Não acho, não creio que a gente se acostume. Acho que... é, acho que a gente realmente se acostuma, sinto que nós nos calamos, engolimos a seco como a farinha do almoço, o silêncio sem sucesso que corta a garganta na ânsia de se libertar.

A gente se sente palhaço, acreditando há anos nas promessas dos governantes, nos descontos dos feirantes, nas doze vezes sem juros, no aumento de salário há muito esperado, na promoção sonhada, com o sapo encantado, com o muito obrigado. A gente nem precisa de espelho para ver que o nariz continua cada vez mais vermelho. No andar apressado, vejo que não existe somente um palhaço.

A gente se sente tão só neste mundão lotado, parece que nossas idéias, nossos ideais são somente brilhantes para nós mesmos, parece que somente o nosso sol nasce à leste, parece que somos todos surdos, mudos, cegos. Se não somos, fazemos questão de tapar os ouvidos, a boca e os olhos e nos fingimos de rocha sem sentimentos, apenas com sedimentos, sem sentidos, sem...

Não choramos mais, não notamos mais as perdas, vivemos em bandos isolados preocupados somente com o nosso próprio bem estar, nos tornamos criaturas unitárias, unilaterais, unicoração, unipensamentos, unisentimentos.

A gente vive à noite e dorme de dia, vive o dia e não dorme à noite, perde a noção do tempo, nos bares a noite ganha sentido, corremos sem direção, falamos mas não indagamos, não perguntamos mais porquê.

Não sonhamos tão mais, não acreditamos mais, não sorrimos mais, não agradecemos mais, não sentimos mais, brigamos com nós mesmos, não libertamos nosso coração, brigamos com a vontade e sobrepomos à ela a verdade. Porém a verdade da conveniência, a verdade que a sociedade acredita ser verdade. Nossos sonhos não acordaram ainda, não somos... nunca fomos ou fomos? Fomos.

Porém, o que um dia fomos se foi e não conseguimos colocar nada no lugar. Nos tornamos massa sem peso, somos garrafas sem líquido, somos a continuação do teclado, somos peça que tem uma certa vida no carro, somos o carro.

Nos tornamos a sociedade que Gepeto desenhou, nosso nariz não pára de crescer, mentimos para este, mentimos para aquele, mentimos todos os dias para nós mesmos... Ah... mentimos para nós mesmos...

Nos maltratamos, nos sufocamos, nos mutilamos a cada dia. Somos juízes dos outros, somos o dedo que em riste acusa. Somos a semente que não vingou, somos a gema do ovo que não nasceu.
Mas éramos o grito dos injustiçados, tínhamos sonhos, tínhamos propósitos, éramos a lágrima que caía dos olhos de um irmão torturado, éramos o sonho da revolução, éramos a república instaurada, éramos o direito adquirido, éramos a passeata, a greve generalizada, éramos a indignação, éramos o não, éramos a CLT, éramos as Diretas Já, éramos a vitória de setenta, éramos o fim da ditadura, éramos a Tropicália, éramos o Cinema Novo, éramos a Semana de Arte Moderna, éramos a Bossa Nova, éramos... éramos?

Éramos a História que hoje é contada, éramos o povo. Agora não somos mais, não mais...


Renata Martins é uma pessoa fantástica que infelizmente não vejo há um tempão... Ela faz faculdade de cinema e escreve textos muito bons como este.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Importante-banal

Exercia função importante: era guardião de um bem precioso. Protegia de intempéries que com freqüência tentavam alcançar e prejudicar este bem. Como era guardião, seu local de trabalho era o lado de fora. Assim, permanecia sempre ali em seu lugar. Ao lado de seus colegas de função desempenhava louvável trabalho. Se não se pudesse dizer que eram imbatíveis, ao menos eram esmerados. Vento e poeira eram barrados com eficácia.

Porém, como é passível de ocorrer com qualquer equipe de trabalhadores dedicados, alguma vez algum deles cansava-se e curvava-se, perdendo assim seu posto e automaticamente sendo desligado de suas funções. Outras vezes algum outro, por curiosidade, voltava-se para dentro a fim de ver como era, a despeito dos demais colegas, sempre firmes em posição de guarda. Em raras vezes algum outro era tão ousado que chegava a de fato invadir o lado de dentro (!), causando enorme desconforto àquele a quem guardavam, tendo que ser retirado à força, por meio de intervenção externa.

Mas casos isolados, como estes, não desabonam esta equipe que, desde há muitos milhares de anos trabalham em prol da proteção. São chamados de cílios oculares.



segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Pitada de surrealismo


Gato listrado com sabão roxo. Caiu no plaftplum forrado de lemistomantes tomates azuis que cantarolavam pesados teares de espuma de sabão. Na noite clara e nevada do verão xadrez que veste um colossal televisor prateado com sonoros azeites de caramelo azedo. Espalhou-se sobre a calma da senhora verde com quadros alegres sob os pés de mãos. Nada tinha a dever aquela imagem aos sonhos irreais que irrefreados pulavam das teclas de seu computador de plástico. Como fosse o gato um gato que latia, só poderia ser ele listrado. Fosse xadrez seria um gato que urra. E estes não andavam com sabões roxos. A senhora miava que não podia ser verdade. Que nada havia com nome lemistomante, mas plaftplum havia. Sumiu no ar como nuvem que explode. Era verde porque miava. Se uivasse seria vermelha. O gato entrou no muro de barro que tinha uma cauda de pavão de bolinhas. Sumiu listrado dentro do muro com o sabão roxo. Foram inventados numa folha sem cor, sem pauta, sem mãos e sem portas. Foram inventados e exterminados, como coisa que se escreve e depois desmancha.

Quadro do espanhol José Manuel Merello, que faz arte expressionista e surrealista em belíssimos quadros.