quinta-feira, 25 de junho de 2009

rain


Escorro pelo vidro como algo disforme, sem cor, sem significado. Desço pelas folhas ainda verdes que se curvam ao meu peso e imprimem a mim nova velocidade. Caio sobre um rosto borrado e me misturo a lágrimas salgadas e amarguradas de alguém que anda sem rumo no meio da rua. Acumulo no meio fio e alago a calçada fazendo molhar os sapatos da moça chique e decidida que desce do carro estacionado. Desmancho os cabelos do rapaz que tanto se empenha por mantê-los alinhados. Cometo os maiores desastres que posso antes que minha aparição termine. Procuro cair de forma marcante e arrasto porções de vida de quem para mim olha e aos céus amaldiçoa pelo inconveniente. Chovo. Borro a paisagem. Caio no chão e me infiltro na terra. Mergulho no mais profundo até não poder mais ser encontrada. Depois volto para a atmosfera, para outra nuvem, até cair novamente.

domingo, 21 de junho de 2009

socorro

Socorro!
Não estou sentindo nada
Nem medo, nem calor, nem fogo
Não vai dar mais pra chorar
Nem pra rir...

Socorro!
Alguma alma mesmo que penada
Me empreste suas penas
Já não sinto amor, nem dor
Já não sinto nada...

Socorro!
Alguém me dê um coração
Que esse já não bate nem apanha
Por favor!
Uma emoção pequena, qualquer coisa!
Qualquer coisa que se sinta...
Tem tantos sentimentos
Deve ter algum que sirva

Socorro!
Alguma rua que me dê sentido
Em qualquer cruzamento,
Acostamento, encruzilhada
Socorro!
Eu já não sinto nada

Nem medo, nem calor, nem fogo
Nem vontade de chorar, nem de rir

Socorro!
Alguma alma mesmo que penada
Me empreste suas penas
Já não sinto amor, nem dor
Já não sinto nada

Socorro!
Alguém me dê um coração
Que este já não bate nem apanha
Por favor, alguma emoção pequena
Qualquer coisa
Qualquer coisa que se sinta
Tem tantos sentimentos
Deve ter algum que sirva

Arnaldo Antunes

segunda-feira, 15 de junho de 2009

o grito


Era um grito como ninguém jamais havia dado antes. Nele estavam contidos toda sorte de sentimentos que viviam ali presos dentro de si, como se a garganta fosse uma catraca a impedir a saída de seus dizeres a respeito de tudo que via e que lhe despertava opiniões. Enquanto gritava pensava em tudo que não havia feito, nos lugares em que não havia estado, nas conversas que não teve, nas roupas que não vestiu, no cabelo que não usou, nas frases que não falou. Tudo parecia sair ali por aquele grito. Tudo o que foi abafado pelo medo do comentário alheio, da imagem que faziam de si, das conseqüências de se fazer o que se quer.

O grito interrompia o sono dos que estavam por perto. Interrompia o silêncio de uma madrugada que antecedia a manhã de um dia que não seria jamais igual aos anteriores. Interrompia uma calmaria que cobria uma explosão de pensamentos, de idéias, de sentimentos, de vontades, de desafios e curiosidades.

O grito ecoava e se reproduzia dentro de si anunciando que o caminho se abria. E depois do grito olhou ao redor e tudo parecia quieto. O grito apenas a fizera acordar do sonho em que havia estado durante todo o tempo vivido. Foi então que notou que a vida havia passado completamente e a noite calada lhe mostrava que não havia mais tempo. A vida já havia passado.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Leve


Nave
Ave
Moinho
E tudo mais serei
Para que seja leve
Meu passo
Em vosso caminho

Hilda Hilst

quinta-feira, 11 de junho de 2009

remoto

Quero chegar no lugar onde as retas paralelas se encontram
Quero chegar onde os números terminam
Quero estar onde todas as hipóteses acontecem

Quero viver o irreal e tocar o inatingível
Quero observar o invisível e sentir o gosto do insípido

Só não quero mais o que é provável
Não quero ver o que conheço
Não quero ponderar entre possibilidades cabíveis

Quero aquilo que me deixe estática,
Que me faça sentir surpresa
E quero não saber do amanhã

Quero não ter certeza senão do agora, senão da vida.



segunda-feira, 8 de junho de 2009

andanças

pela dúvida na crença
pelo medo do novo
por causa das dúvidas
a insegurança se havia instalado.

pelo sentimento benéfico
por causa da paciência
e pela confiança
a segurança tomou de volta o seu lugar.

pela mágica da transformação
pelo silêncio dos processos
ou por causa da improbabilidade
perguntariam se não seria tudo falso.

por tudo que tem acontecido
e pelo que ainda acontecerá
por causa do que se está sentindo
se pode dizer que tudo é mesmo real.

sábado, 6 de junho de 2009

um pouco de quase tudo de mim

Pareço estranha, mas sou comum.
Pareço comum, mas sou estranha.
Eu gosto das coisas simples.
Mas freqüentemente tenho umas pirações complexas na cabeça.
Gosto de dias cinzas.
Prefiro o inverno ao verão.
Às vezes passo mal no verão, com quedas de pressão.
Gosto de rock.
Gosto de MPB.
Gosto de música eletrônica.
Gosto de moda de viola.
Não gosto de reggae.
Acredito em Deus.
Torço pela felicidade dos que gosto.
Não sinto ódio por ninguém, não tenho inimigos (acho).
Já quebrei o dedo mindinho quando tinha uns oito anos.
Gosto de crianças.
Gosto de idosos.
Não gosto muito de adolescentes.
Tenho uma leve fobia social.
Sou louca por doces.
Torço pelo Corinthians, embora não fervorosamente.
Nunca usei camisa de time.
Nunca participei de campeonato esportivo.
Já ganhei um troféu de melhor fantasia de Xuxa quando tinha uns quatro anos.
Já fiz papel de menino numa quadrilha na pré-escola.
Já namorei por mais de um ano.
Tenho dificuldades em ler livros até o fim. (Mas leio.)
Começo vários livros ao mesmo tempo =/
Não consigo falar inglês, embora compreenda razoavelmente.
Gosto de falar em portunhol, só de zuação.
Tenho miopia e astigmatismo e uso óculos desde os 12 anos.
Não uso sapato de salto.
Tenho pavor de falta de luz à noite estando sozinha em casa.
Tenho fobia de bichos lisos tais como lesmas, lagartas, mandruvás (!) e afins.
Tenho nojo de barata, mas se preciso, mato.
Você dificilmente vai me ver puxando conversa com estranhos.
Gosto de objetos coloridos, principalmente quando têm as cores vermelho, azul e amarelo.
Adoro artesanato.
Adoro ficar dentro de casa.
Adoro aprender e fazer origami.
Adoro fotografias, mas não gosto de estar nelas.
Gosto de viagens, mas pouco as faço.
Sonho em viajar pela América Latina.
Sonho com um sistema de educação pública que seja levado a sério por todos.
Tenho uma família que pode não ser a mais perfeita, mas é a exatamente ideal para mim.
Tenho uma cabeça com muito espaço ocupado e ainda muito a preencher.
Gosto do cheiro de terra molhada.
Não gosto de pisar na grama com orvalho estando com os pés descalços ou com calçado aberto.
Brincava com tatuzinho de jardim quando criança e comia miolinhos de flores.
Falo comigo em pensamento; na verdade, freqüentemente, discutimos muito.
Tenho problemas com auto-estima.
Sou incapaz de concluir qualquer descrição sobre mim mesma.

21/01/09

terça-feira, 2 de junho de 2009