sábado, 28 de novembro de 2009

Quem sabe

Talvez eu só precise colher tulipas numa plantação gigante na Holanda.
Ou quem sabe pegar um carro e me dirigir sem rumo por uma auto-estrada novinha em folha.
Pode ser que seja divertido correr atrás de crianças fingindo ser um bicho papão.
Ou anotar num papel de pão o endereço de alguma liquidação.
Talvez não se precise muito pra ser feliz, assim como muita gente é feliz com uma barraca de raspadinha, com um brinco de pedrinha, ou com um churrasco na laje, ao invés de um diploma da universidade.

sábado, 21 de novembro de 2009

Novelinha mexicana

Saiu andando rapidamente. Lágrimas discretas escorriam de seus olhos enquanto deixava para trás um rastro de firmeza, de certeza. Para trás ficaram também aquelas pessoas que a olhavam: alguns com pena, outros admirados, outros assustados. Nenhum deles sabia de verdade o que tinha acabado de acontecer, ou talvez até soubessem.

Um noivado de aparências que já durava seis anos aos trancos e barrancos e que estando ruído por dentro, não resistiu à descoberta de um fato concreto que colocaria finalmente um ponto final a uma história esvaziada de sentido, de paixão, de verdades.

Ela era uma mulher que com seus vinte e seis anos ainda não tinha certeza do que queria para sua vida, mas sabia exatamente o que não queria... clichê típico de mulheres cuja personalidade ainda está em formação, mas que não a tornava menos interessante.

Ele era um cara tipicamente imaturo aos vinte e nove anos. O pedido de casamento foi feito mediante uma cena tão romântica quanto piegas em que houve até posição de joelhos e lágrimas nos olhos – dela. Amor construído na faculdade, quando ambos tinham as mesmas fantasias de um futuro fantástico com viagens de exploração pelo novo continente, filhos feitos entre fronteiras dos mais diversos países, e um espírito de luta.

Seis anos depois tudo aquilo foi virando pó à medida em que as horas passavam e os dois cada vez mais se viam caminhando por direções desencontradas... ela já não sorria mais ao atender os telefonemas dele. Ele já não lhe abria mais a porta do carro.

Nunca chegaram a sair do país juntos, portanto também nunca fizeram filhos em qualquer lugar do mundo. O espírito de luta havia esvaído-se aos poucos, quando a cada semana viam o arrefecer daqueles ideais que antes pareciam-lhes tão possíveis.

Por mais que se tentasse remediar, não dava mais. Tudo havia chegado ao limite. Não havia mais como continuarem vivendo juntas duas almas tão diferentes.

Ele fora flagrado com outra, por ela.

O flagrante nem significava muito por aquilo que era, mas pelo que poderia proporcionar. O final de um relacionamento longo e decadente. Sem que tivesse que levar em conta os protocolos sociais que o fim daquela relação custaria. Famílias que se haviam ficado tão satisfeitas pela união, já dada como eterna, de repente viam tal reação incisiva vinda da jovem e doce que sempre fora tão compreensiva.

Mas tratava-se de uma questão de sobrevivência, de dignidade. E o fim - afinal - aconteceu.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Do entusiasmo pela magia recém descoberta

Falava sobre teatro de bonecos e tinha um grande entusiasmo. Acreditava no que dizia, baseado nas falas das crianças com as quais lidava ocasionalmente. Transmitia uma sensação de tranquilidade. De seus olhos brotavam um cenário colorido com cheiro de infância e fantasia, sem a tormenta das preocupações rotineiras...
Estava eu no ponto do ônibus circular da Cidade Universitária, quando chegou este senhor alto, barbas brancas, boina e olhos muito azuis e me perguntou se o circular costumava demorar... Ninguém nunca sabe e eu também não sabia. Ele então comentou que havia saído de sua casa, em Sorocaba, às 4:15 da manhã e havia chegado na universidade somente àquela hora – eram 8:10. Falou sobre o trajeto que o ônibus faz e também falou sobre a existência de vans clandestinas que, embora mais baratas, não garantem a mesma tranquilidade que os ônibus oferecem ao custo de 4 reais a mais. Eu então comecei a me interessar pela forma como ele conversava... é sempre agradável escutar os mais velhos. Então perguntei se ele teria aula e ele disse que sim, que ia para uma aula que faz na Escola de Comunicações e Artes. Uma aula do curso sobre teatro de bonecos. E seus olhos começaram a brilhar enquanto me contava sobre algumas peças de teatro de bonecos. O circular nunca passava e eu teria seguido a pé, afinal eram só dois pontos de distância, mas eu estava achando muito bom escutar as histórias que ele relatava com tanta satisfação. Contou detalhes sobre o mestrado que está escrevendo a respeito de como dar vida aos bonecos no teatro. E o brilho nos olhos. Ele disse que tem 74 anos. Fez Engenharia no Uruguai e há uns vinte e cinco largou a carreira porque não se sentia satisfeito. Há cerca de cinco anos começou trabalhar com o teatro de bonecos e não consegue imaginar outra coisa que o deixe mais feliz. O contato com as crianças e a mágica que está presente no teatro de bonecos é algo que ele percebe com apuro e que fazia questão de passar adiante.

Nesse episódio, o que mais me chamou atenção foi o encanto daquele senhor pelo que ele havia descoberto tão recentemente e que parecia ter mudado sua vida, da Engenharia, para o teatro e as crianças... me deu uma sensação de que a cidade precisa de mais pessoas apaixonadas por novas descobertas e que queiram adicionar entusiasmo e cores ao dia alheio.