terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Refresh

Tarde da noite, cansado de trabalhar, parou por um momento. Estava sentado diante de seu companheiro eletrônico – o computador – e pensou em voz alta “ah, se a vida fosse tão simples quanto ele... Daria refresh, delete, enter, print screen conforme fosse necessário... em casos extremos, até um format!”

De repente percebeu um zumbido. A janela de madeira de seu quarto estava entreaberta. Era noite de outono, mas fazia calor. Foi quando junto com um vento moderado, entrou um ser voador de tamanho muito pequeno, não sendo possível à primeira vista diferenciá-lo de um mosquito. Minutos depois de observar aquele ser que havia pousado vagarosamente sobre a mesa, é que percebeu que se tratava não de um mosquito, mas de um homenzinho! Não tinha mais do que um centímetro, mas isso não implicava falta de elegância no vestir-se: usava terno, gravata, sapatos lustrados e um chapéu, desses do tipo cartola, e era muito simpático, embora toda aquela roupa lhe conferisse um certo ar grave.

Atônito, a princípio olhava com cara de interrogação para aquele homenzinho, que permanecia parado, ereto à sua frente sobre a mesa. Passados alguns segundos de completo silêncio, ele perguntou ao pequeno:

— Quem é você? O que faz aqui?
— Ora, então não foi você quem desejou que a vida fosse como no computador?
— Oh, sim, claro! Eu disse isso, mas quem me dera se a cada desejo meu aparecesse alguém para realizá-los... Certamente eu não estaria aqui trabalhando noites à dentro.
— Entendo, filho. No entanto não posso te ajudar com relação aos demais desejos, sejam eles quais sejam. Meu departamento é realizar os sonhos cibernéticos. E sabe, já estou um tanto cansado dessa vida, e se não se importar, gostaria que fôssemos logo ao ponto. Então você quer que sua vida se transforme num sistema computacional não é, então vamos lá. Mantenha-se em pé, por favor. Agora vou...
— Ei calma! Você seja lá quem ou o que for, não pode estar falando sério! Isso tudo não pode ser sério! – o rapaz estava realmente espantado com aquela situação.
— Você está certo, meu jovem. Permita que me apresente. Sou Morpheu.
— Hahahaha... você está brincando comigo. Morpheu!
— Sim, sei o que deve estar pensando. Matrix. E até concordo com seu espanto. A verdade é que quem aparece primeiro sempre recebe as vantagens do reconhecimento. Mas você acha mesmo que os irmãos Wachowski seriam tão fantásticos a ponto de inventarem inclusive este nome? Exatamente. Foi em mim que se inspiraram. Deixe-me ser breve em contar minha história: sou o deus dos sonhos, filho de Hipnos, deus do sono. Sempre que alguém deseja algo com força, eu apareço para realizá-los. Só que vocês humanos pedem coisas demais! Portanto há poucos séculos meu pai achou por bem me dar alguns irmãos e a cada um de nós estabeleceu jurisdições próprias para realizações de desejos. Há uma década tornei-me responsável pelos sonhos relacionados ao mundo cibernético. Portanto, realizarei o desejo que o senhor, jovem rapaz, acabou de proferir antes que eu me adentrasse ao seu quarto.
— Hahaha... inacreditável. E engraçado. Bom, já que está aqui vamos ver o que é isso!
— O-bri-ga-do. – ele apresentava um tom meio rabugento nesta frase, como quem não precisasse agradecer por algo que já lhe era de direito. – Agora passemos ao que é de interesse, afinal ainda tenho muitos outros afazeres.

O rapaz não podia acreditar no que ouvia e via. Mas aquilo tudo estava acontecendo de fato, ali diante dos seus olhos, tudo o que tinha a fazer era aproveitar aquele momento. Então logo se acostumou à idéia e já se via ansioso por dar os devidos deletes, refreshs, enters e demais comandos que tão úteis lhe pareceriam...

— Ó forças ocultas! Atendei através de mim, ao pedido deste homem! Alacazam!
— Ué, então é só isso?! “Alacazam”?
— Sim, filho. Simples assim, mas não é para todos. Como disse, sou o deus dos sonhos.
— Está certo... Vamos ver se isto funciona mesmo... vou dar um ctrl+f para encontrar o outro par do meu tênis, que sumiu aqui dentro do meu quarto!

E em frações de segundo, lá estava o par de tênis. E o rapaz, encantado com aquilo, não tinha palavras para dizer o que sentia, tamanha era sua satisfação. O homenzinho, vendo que o jovem já estava satisfeito, partiu pela mesma janela pela qual havia entrado e o rapaz nem percebeu sua saída.

Então começou a pensar no próximo passo que daria, agora que tinha “super-poderes”. Claro!! Daria o refresh, o comando com o qual tanto havia sonhado. Em frações de segundo sua vida estaria completamente atualizada de acordo com seus planos. Nada de chateações nem perturbações. Sua vida em nova versão. E foi então que...
...Acordou com sua mãe batendo à porta de seu quarto... era seu chefe ao telefone informando que o cliente havia reduzido o prazo. Claro, onde mais além de nos sonhos criaturas minúsculas entrariam por janelas e realizariam sonhos impossíveis? Morpheu... pfff

2 comentários:

  1. olha, eu adoro crônicas mas não tô com tempo de ler hoje tá... amanhã eu garanto que volto e leio ela toda

    quanto ao começo eu acho q essa introspecção informática é um sinal válido de necessidade de reflexão e criatividade aplicada

    ou não.


    vê lá:
    http://artepoiesis.blogspot.com/

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  2. intro: eu me referia a reflexão e criatividade do personagem, e não sua (Paula)

    agora sim um comentário pra valer:
    escreves com uma maestria a qual eu, na minha pressa urbana venenosa, não havia percebido... o texto conduz a formação de imagens ótimas que acabam por se dissolver no final...

    é mais do que literário esse texto... chega a ser artístico

    mas, acho q as limitações humanas é o que torna tudo romântico e real (ou não, talvez eu esteja apenas me enganando)

    como um ascendente peixes, encho-me de encanto por ti, anjo pisciano


    se der, passa lá:
    http://artepoiesis.blogspot.com/

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